A inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, é considerada um marco na história brasileira, tão importante quanto a Independência (1822) ou a Proclamação da República (1889). A criação da capital promoveu o desenvolvimento do interior do país e concentrou o poder político longe dos principais centros urbanos.
Direto ao ponto: Ficha-resumo
Brasília foi erguida no meio do cerrado, em menos de quatro anos, a partir de uma concepção modernista de urbanismo e arquitetura. A cidade foi o ápice do projeto desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), conhecido pelo lema “Cinquenta anos em cinco”.
Mas a ideia da cidade é antiga. José Bonifácio, o Patriarca da Independência, foi o primeiro a sugerir o nome Brasília para a nova capital do país, em 1823. A primeira constituição republicana, de 1891, previa a mudança da capital do Rio de Janeiro para uma região no Planalto Central. Para isso, foi criada a Comissão Exploradora do Planalto Central (1892-1893), liderada pelo astrônomo belga Luiz Cruls – amigo do imperador d. Pedro 2º, então no exílio -, que explorou a região.
Anos depois, em 1954, o governo de Café Filho (1954-1955) nomeou a Comissão de Localização da Nova Capital Federal (1954), comandada pelo marechal José Pessoa, para dar continuidade aos trabalhos. O território que abrigaria a futura capital do país era conhecido como Quadrilátero Cruls, em homenagem a Luiz Cruls. Tinha dimensões de 160 por 90 quilômetros quadrados e situava-se a mil quilômetros de São Paulo e Rio de Janeiro.
A proposta do governo, com a transferência da capital para o cerrado goiano, era explorar as riquezas da região central do país.
Veja vídeo: Como surgiu o traçado da capital do país.
Polêmica O Distrito Federal foi o primeiro passo no sentido de equilibrar as diferenças de um país dividido entre o litoral – populoso, urbanizado e industrializado – e o interior – despovoado, pobre e sem infraestrutura. Junto com a capital surgiram estradas como a Belém-Brasília, importante ligação com a região Norte do país.
Juscelino Kubitschek, o JK, foi alvo de muitas críticas na época, principalmente por parte de políticos do Rio de Janeiro, que temiam perder influência e poder com a transferência da capital, pois a cidade era capital federal desde a implantação da República, em 1889, e foi capital da colônia desde 1763.
Para JK, entretanto, a mudança era também estratégica. O ambiente político da segunda metade dos anos 50 era permeado pela tensão da Guerra Fria (1945-1989). De um lado, havia o receio de os militares darem um golpe – e, de outro, o de estourar uma revolução comunista como a ocorrida em Cuba, em 1959. No ano anterior à eleição de JK, Getúlio Vargas se suicidara no Palácio do Catete (sede do governo, no Rio de Janeiro).
JK esperava cumprir o mandato estando longe das agitações populares e do clima de instabilidade no Rio de Janeiro. O isolamento do poder em Brasília, para alguns especialistas, acabaria contribuindo para formar uma classe política que, distante da pressão popular, estaria mais sujeita à corrupção.
Juscelino defendia a proposta desde 1946, quando era deputado constituinte. E a cidade apareceu como meta de número 31 (a meta-síntese) no Plano de Metas de seu governo.
Foi no primeiro comício como candidato da coligação PSD-PTB, cinco dias após deixar o governo do Estado de Minas Gerais para concorrer à Presidência, que JK fez a promessa de construir Brasília. Era 4 de abril de 1955, no município de Jataí, sertão goiano. Após o discurso, um eleitor perguntou se o candidato mudaria a capital, conforme previsto na Constituição. JK respondeu: “Cumprirei na íntegra a Constituição. Durante o meu quinquênio, farei a mudança da sede do governo e construirei a nova capital”.
Niemeyer
Juscelino Kubitschek foi eleito em 3 de outubro 1955, com 33,82% dos votos. Para cumprir a promessa de campanha, escolheu o arquiteto Oscar Niemeyer para projetar as principais edificações da cidade. Niemeyer já era conhecido internacionalmente, e alguns dos projetos arquitetônicos que fez para Brasília tornaram-se símbolos do país, como o Congresso, o Palácio do Planalto, o Palácio da Alvorada e a Catedral.
O segredo da arquitetura de Niemeyer é a sofisticação da obra aliada a um elemento intuitivo, que permite que ela seja apreciada por qualquer pessoa. São soluções criativas que parecem simples – como o desenho dos “pratos” invertidos do Congresso -, mas que são ricas de detalhes.
Para escolher o Projeto Piloto foi realizado um concurso entre 12 e 16 de março de 1957. Foram apresentados 26 projetos. O júri escolheu a planta cujo formato parecia o de um avião, do urbanista e arquiteto Lucio Costa.
Com o projeto em mãos, foi criada uma empresa, a Novacap, e empregado um contingente de 60 mil trabalhadores para a construção. Os operários, a maioria formada por nordestinos, acabaram se fixando na cidade. Eles trabalhavam dia e noite para erguer, no nada, a capital futurista num prazo recorde de 43 meses.
Cofres públicos
Não se sabe exatamente quanto foi gasto na construção de Brasília. A maior parte das verbas não foi contabilizada em registros bancários ou comprovantes fiscais. O governo também não fez, à época, uma estimativa oficial.
O ex-ministro da Fazenda de Café Filho, Eugênio Gudin, adversário político de JK, estimou os custos em US$ 1,5 bilhão. Em valores atualizados, o orçamento seria de US$ 83 bilhões, seis vezes mais do que o previsto para as Olimpíadas do Rio, a serem realizadas em 2016. Para captar recursos, o governo emitiu mais dinheiro e foram feitos empréstimos no exterior. Isso deixou uma conta salgada para o país, na forma de inflação alta e dívida externa.
A despeito disso, Brasília progrediu. A cidade tinha 140 mil habitantes em 1960 e em 2019 são estimados 3,013 milhões de brasilienses vivendo na capital. Enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) do país cresceu, em média, 4,8% entre 1961 e 2000, o Distrito Federal teve aumento de 57,8% no mesmo período.
A combinação de empregos públicos e altos salários faz de Brasília a cidade com o maior PIB per capita do país, R$ 40.696, quase três vezes maior que a média nacional – e superior a São Paulo (R$ 22.667) e Rio de Janeiro (R$ 19.245), de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Juscelino conseguiu cumprir o mandato, mas os presidentes que o sucederam – Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964) – não tiveram a mesma sorte. Em 1964, um golpe militar mergulhou o país numa ditadura que duraria mais de vinte anos.
Eleito senador pelo Estado de Goiás, em 1962, JK teve os direitos políticos cassados dois anos depois. Morreu em 1976, num acidente de carro na via Dutra. Deixou como legado uma utopia modernista concretizada no meio do sertão.
Fonte: Porta UOL