A sequência de cortes na taxa básica de juros (Selic) e a redução dos juros cobrados pelos bancos para o financiamento da casa própria deixaram a portabilidade do crédito imobiliário mais atraente para o brasileiro – e têm feito aumentar o número de pedidos da modalidade. Ao transferir a dívida para outro banco, o consumidor pode conseguir reduzir o valor das parcelas, melhorar as condições do empréstimo e economizar dinheiro.
Dados do Banco Central mostram que os pedidos de portabilidade efetivados em 2019 cresceram 102% em relação ao ano passado. De janeiro a agosto, foram 1.605 efetivações de financiamentos imobiliários, totalizando R$ 608,2 milhões, contra 794 nos 9 primeiros meses de 2018, que somaram R$ 335,8 milhões.
Em agosto (último dado disponível), o número de pedidos saltou para 1.761, ante 764 em julho.
Os números de portabilidade de financiamento imobiliário neste ano já superam também o total registrado em 2018, quando foi verificado um aumento de 453% nos pedidos em relação ao ano anterior. Veja gráfico abaixo:
Portabilidade de crédito imobiliário — Foto: Arte G1
Apesar do aumento do interesse pela troca de banco do financiamento, os números ainda são bem tímidos em relação ao potencial e em comparação aos pedidos de portabilidade feitos em outras modalidades de crédito.
Para efeitos de comparação, somente em agosto foram 26,4 mil unidades habitacionais financiadas no país com recursos das cadernetas de poupança, segundo dados da Abecip, atingindo um valor de R$ 6,71 bilhões em agosto. No acumulado no ano, o valor já chega a R$ 47,1 bilhões, envolvendo 180,5 mil unidades.
Segundo estudo divulgado no começo do ano pelo Banco Central, o crédito imobiliário representa apenas 0,1% do total de pedidos de pedidos de portabilidade no sistema bancário e 2,1% do valor total portado. Em relação às novas concessões de crédito imobiliário, a troca de banco nesse tipo de financiamento representou em 2018 menos de 1% do total.
“Em virtude do perfil da dívida (de longo prazo e alto valor), a portabilidade pode resultar em maior economia, seja com a transferência do crédito, seja com a renegociação com o credor original”, destaca o BC.
Evolução da portabilidade de crédito imobiliário — Foto: Economia G1
Analistas ouvidos pelo G1 avaliam que o momento nunca foi tão favorável para tentar reduzir a taxa do financiamento, sobretudo nos empréstimos de valores mais altos e com contratos assinados entre 2015 e 2017, quando os juros médios ficaram acima de 10%.
“Com a queda da Selic, o mercado e crédito está começando a andar e na linha de crédito imobiliário estamos finalmente vendo bancos entrando em um cenário de concorrência e começando a brigar por taxas”, afirma Rafael Sasso, cofundador da Taxa Melhor, startup que ajuda a comparar os juros cobrados pelos bancos.
Nas últimas semanas, os principais bancos do país anunciaram novas reduções nas taxas de juros para a compra da casa própria, para uma faixa a partir de 7,3% ao ano + TR.
Desde o ano passado, os juros cobrados pelos maiores bancos nas principais linhas de financiamento da casa própria têm se mantido bem próximos, diante de uma maior disputa entre as instituições financeiras e sinais de recuperação do mercado imobiliário.
Segundo dados do BC, os juros médios de mercado cobrados pelos bancos para financiamento imobiliário foram de 8,9% ao ano em agosto (último dado disponível), ante 9,5% ao ano no final do ano passado e 11% no final de 2017.
Veja abaixo o comparativo das taxas mínimas dos maiores bancos nas principais linhas de crédito imobiliário:
Comparativo de juros para financiamento de imóveis
Banco | Sistema Financeiro Habitacional (SFH) | Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) – carta de crédito | pró-cotista FGTS | limite do financiamento |
Caixa (modalidades tradicionais) | a partir de 7,5% ao ano + TR | a partir de 7,5% ao ano + TR | entre 8,76% e 9,01% ao ano + TR | até 80% do valor para imóveis novos e 70% do valor para usados |
Caixa (linha nova, atualizada pela inflação) | a partir de 2,95% + IPCA | a partir de 2,95% + IPCA | não opera | até 80% do valor o imóvel |
Banco do Brasil | a partir de 7,4% ao ano + TR | a partir de 7,4% ao ano + TR (na carteira habitacional hipotecária) | 9% ao ano + TR (disponível para imóveis novos e usados) | até 80% do valor do imóvel novo ou usado |
Itaú Unibanco | a partir de 7,45% ao ano + TR | a partir de 7,45% ao ano + TR | não opera | até 82% do valor do imóvel (tanto para novos como usados) |
Bradesco | a partir de 7,30% ao ano + TR | a partir de 7,30% ao ano + TR (na carteira habitacional hipotecária) | não opera | até 80% do valor do imóvel novo ou usado |
Santander | a partir de 7,99% ao ano + TR | a partir de 7,99% ao ano + TR | a partir de 7,59% +TR (apenas para imóveis novos) | Até 80% do valor do imóvel (tanto para novos como usados) |
Fonte: Levantamento G1 junto aos bancos
Vale lembrar que as taxas anunciadas pelos bancos são as mínimas, e que, para conseguir juros mais baixos, o tomador do crédito precisa quase sempre aceitar uma série de condições, sobretudo maior relacionamento com a instituição financeira. O valor do imóvel, bem como o perfil e renda do consumidor, também costumam influenciar diretamente os juros cobrados pelos bancos.
Simulações de economia com portabilidade
Simulações feitas pela Melhor Taxa, startup que ajuda a comparar os juros cobrados pelos bancos, mostra que é possível obter com a portabilidade uma boa redução no valor da parcela. Ao conseguir baixar, por exemplo, a taxa de juros de 9,76% para 7,30% ao ano em uma dívida de R$ 300 mil, a economia total ao longo do contrato chegaria a quase R$ 100 mil. Veja abaixo os exemplos:
Exemplo 1: empréstimo de R$ 100 mil, com taxa atual de 11,24% ao ano
- Valor do imóvel: R$ 125 mil
- Valor da 1ª parcela (01/02/2017): R$ 1.224,94
- Valor da parcela atual: R$ 1.143,97
- Taxa após portabilidade: 7,30%
- Valor da parcela após portabilidade: R$ 866,46
- Economia na parcela: R$ 358,49
- Economia total no contrato: R$ 47.709,48
Exemplo 2: empréstimo de R$ 300 mil, com taxa atual de 9,76% ao ano
- Valor do imóvel: R$ 500 mil
- Valor da 1ª parcela (01/01/2018): R$ 3.320,62
- Valor da parcela atual: R$ 3.179,61
- Taxa após portabilidade: 7,30%
- Valor da parcela após portabilidade: R$ 2.638,06
- Economia na parcela: R$ 682,56
- Economia total no contrato: R$ 98.900,77
Exemplo 3: empréstimo de R$ 500 mil, com taxa atual de 10,77% ao ano
- Valor do imóvel: R$ 625 mil
- Valor da 1ª parcela (01/03/2016): R$ 5.846,76
- Valor da parcela atual: R$ 5.335,45
- Taxa após portabilidade: 7,30%
- Valor da parcela após portabilidade: R$ 4.147,82
- Economia na parcela: R$ 1.698,94
- Economia total no contrato: R$ 196.714,63
Exemplo 4: empréstimo de R$ 750 mil, com taxa atual de 11,24% ao ano
- Valor do imóvel: R$ 950 mil
- Valor da 1ª parcela (01/02/2017): R$ 9.083,46
- Valor da parcela atual: R$ 8.471,05
- Taxa após portabilidade: 7,30%
- Valor da parcela após portabilidade: R$ 6.389,52
- Economia na parcela: R$ 2.693,94
- Economia total no contrato: R$ 364.804,77
Como avaliar se vale a pena
A transferência de um empréstimo de um banco para outra é um direito garantido e regulamentado pelo Banco Central.
“Quase sempre vale a pena a portabilidade. É importante analisar, porém, todos os custos envolvidos e verificar se haverá uma economia real. Além da taxa de juros, o custo efetivo da nova operação, custos com a manutenção da nova conta, e as tarifas cobradas pelo banco e pelo cartório de registro de imóveis”, explica a consultora Daniele Akamine, diretora da Akamines Negócios Imobiliários.
O desembolso com tarifas de avaliação de imóvel e gastos com cartório em uma portabilidade desse tipo costuma ficar ao redor de R$ 4 mil.
Bancos costumam fazer contraproposta para segurar cliente
Embora a portabilidade seja mais fácil de ser efetivada para as dívidas de valores mais altos e contratadas quando a Selic estava acima de 10%, esse mecanismo é também uma ótima oportunidade de tentar uma renegociação com o banco.
Os números do Banco Central indicam que as instituições financeiras costumam fazer contrapropostas para evitar que o cliente transfira o empréstimo para outro banco. Do total de pedidos de portabilidade de crédito imobiliário feitos neste ano, apenas 27% foram efetivados.
“Existe sim uma politica de retenção do cliente, para que esse permaneça no banco e não faça a portabilidade”, afirma Akamine.
“O fato de buscar outras propostas força o banco a eventualmente dar uma proposta melhor para o cliente ficar”, avalia Sasso, da Melhor Taxa. Segundo ele, alguns bancos cobrem 95% dos pedidos, enquanto outros costumam cobrir apenas os pedidos de clientes dos segmentos mais altos de renda.
“Alguns bancos estão evitando fazer a portabilidade, outros colocam empecilhos no processo e outros estão incentivando, tentando fazer mais rápido que os processos de crédito imobiliário tradicionais”, afirma o executivo.Evolução do crédito imobiliárioEm bilhões de R$, em linhas financiadas com recursos da caderneta de poupança. Fonte: Abecip
Como fazer a portabilidade
O primeiro passo é pedir para o banco que concedeu o empréstimo as informações atualizadas sobre o saldo devedor e condições contratadas. O prazo para o banco entregar as informações é de 1 dia útil. Daí é só levar para outro banco e dizer que deseja transferir sua dívida por juros mais baixos.
Ao encontrar uma condição mais favorável na concorrência e formalizar o pedido de portabilidade, a instituição financeira tem 5 dias para fazer uma contraproposta ao cliente. Mas caso você não goste da nova proposta, o banco é obrigado a aceitar o pedido de portabilidade. Vale lembrar também que o banco para o qual você quer migrar também não é obrigado a aceitar seu pedido.
“A portabilidade de crédito depende da negociação de um novo empréstimo ou financiamento com outra instituição financeira. Assim, como ocorre em qualquer contrato de operação de crédito, deve haver interesse de ambas as partes na realização da operação. Dessa forma, as instituições financeiras não são obrigadas a realizar a portabilidade”, explica o Banco Central, que oferece uma sessão de perguntas e respostas em sua página na internet.
Fonte: Portal G1